Um passado em chamas, as cinzas de um futuro e o Museu Nacional

Nenhum fenômeno é tão fascinante quanto o fogo. Labaredas se esgueirando o mais alto que sua fonte combustível lhes permite. Sua luz atrai insetos tanto quanto hipnotiza a nós humanos por horas, dias talvez. Ao final da fogueira, todos se dão conta do término do fascínio e retornam à sua própria consciência, como se, em um estalar de dedos, a vida voltasse a fazer sentido.

E quem viu de longe, na inocência de não imaginar que se tratava de um incêndio, talvez tenha parado por minutos, horas, contemplando o último espetáculo proporcionado pelo Museu Nacional. Não um espetáculo para arrancar palmas da plateia, mas um que arrancou lágrimas do mundo, ou ao menos deveria ter arrancado. Talvez se todos os brasileiros tivessem chorado juntos, logo nos primeiros minutos de combustão, nossas lágrimas seriam suficientes para apagar aquela fagulha.

O que se deu foi uma grande labareda, registrada em lentes, na memória, em satélites e nos corações de todos que possam vislumbrar uma mínima noção do que aquilo tudo significa. Como uma obra de arte aquele incêndio representou nosso amor ao fogo, nosso fascínio a tudo que queima, ao nosso descaso com o passado em nossas curtas memórias. Nós, de longe, só observamos aquele incêndio que começou há décadas atrás, aguardando a melhor oportunidade para se exibir ao mundo.

Roma já queimou, as bruxas também foram queimadas, bem como os homens da ciência e razão, enquanto os homens de Deus ditavam suas regras, se saciavam de poder e gozavam das fístulas arrancadas do que seria o nosso futuro, nos entregando um grande circo, nos fascinando com seu fogo hipnótico. A fata morgana que nos leva a erguer as mãos, alçando um abraço que não virá.

É o fogo sustentado pelos repasses de pouco provento, pela culpa que passa de mão em mão tal qual uma brasa quente, prestes a se incendiar. Seu comburente nem é mais o oxigênio, há muito de nós arrancado, desse nosso suspiro que ainda nos resta. É ele o nosso fascínio pelo que é divino, pelo que é promessa de um futuro mais bíblico, tão belo quanto Gênesis, entregue às mãos dos modernos homens de Deus, mas de pouco perdão.

O fogo já se extinguiu e com ele nossas heranças, nossos contos, glórias, nossas desonras e vergonhas. Essas duas últimas lá presentes não por orgulho, mas pelo exemplo de que a exiguidade não nos leva a nada, não deveria pertencer ao nosso futuro. O pós fascínio é assim, nossas vidas voltando ao normal, sem sabermos o que nos levou ao transe, ao torpor, ao breve momento de turbidez nos afogando em nossas próprias duvidas a se contradizer e concretizar. Tudo ao mesmo tempo.

Quanto às lágrimas de hoje, essas já não valem mais nada. Guardem-nas para os prantos que ainda vamos derramar, pois serão necessários. Nosso passado em chamas já nos mostrou. A nós, sobraram as cinzas desse pretérito, o prenúncio do nosso próprio futuro.

Às cinzas voltaremos, eu sei, mas nossa história merece muito mais que isso.

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